O Opinião foi até a Volkswagen, em São Bernardo do Campo e constatou que milhares de trabalhadores terceirizados não possuem representação sindical, sofrem com atraso de salários e contam com a sorte para receber o FGTS.
Na Volkswagen (Planta Anchieta) existem 14 mil
trabalhadores diretos, registrados pela Volkswagen do Brasil. A “Terra de
Ninguém” é um universo de 6000 trabalhadores terceirizados, ou seja, quase a
terceira parte do total de funcionários da fábrica é terceirizada, esses são
divididos em cerca de 100 empresas. São as chamadas “gatas”.
Esses trabalhadores ocupam papel importantíssimo no
processo de fabricação do carro. Além da limpeza, alimentação, manutenção de
robôs ou ferramentaria, atividades ha mais tempo terceirizadas, agora a
terceirização avança como uma avalanche de precarização e as “gatas” se
aproximam cada vez mais da linha de montagem.
Hoje, as terceirizadas são responsáveis pela montagem
dos painéis dos veículos, revestimento de portas, tanques de gasolina,
tapeçaria, abastecimento das linhas de montagem, o que chamam de sequenciamento
de peças. Montam as partes do carro, levam essas partes prontas para a ala em
que os carros são montados, além disso, são hoje responsáveis por quase toda a
logística, descarregamento das peças que chegam das autopeças e da movimentação
de tudo isso até chegar à linha de montagem.
O avanço das “gatas” é o avanço da precarização. Os
trabalhadores não acumulam os direitos conquistados historicamente pela
categoria. Se você entra para trabalhar como direto na Volks hoje, vai se
deparar com uma realidade difícil, com salários menores, ritmo massacrante e
uma sequencia de retirada de direitos. Mas com os terceiros é pior, é como se
eles fossem os primeiros trabalhadores da fábrica e tivessem que conquistar
tudo novamente, até mesmo leis trabalhistas a eles são negadas.
Falta de perspectivas e salários baixos
A rotatividade é muito grande, Rodrigo* acaba de ser
demitido, ficou 1 ano e meio na empresa e afirma que o máximo que viu foi
companheiros com 3 anos de empresa e o chefe que tinha 5 anos, completamente
diferente dos “diretos” das montadoras onde 60% tem mais de 10 anos de empresa.
Isso não permitindo que os trabalhadores tenham qualquer perspectiva. Rodrigo
tem 20 anos, teve seu primeiro emprego em uma “gata” na Volks, uma das
principais, nos diz que dominava bem o trabalho de sequenciar as peças do
tanque de combustível, chegou a fazer 280 em um turno, ele alimenta o sonho de
trabalhar diretamente para a montadora, pois gosta de carros, “o serviço deles não
é tão diferente do nosso, daria pra pegar rápido”, diz. Provavelmente, se
Rodrigo for trabalhar como “direto” na Volks se decepcione como quase todos os jovens
que lá entram, mas disse que a situação na “gata” é muito difícil, a única
perspectiva é ser operador de empilhadeira, que ganha R$1160, o ajudante ganha
R$868 depois que passa da experiência, o convênio médico do Rodrigo só atende
em um hospital, a PLR foi 500 reais enquanto na Volks foi 12 mil, o ticket
compra é R$100. “Pelo menos se eu estivesse na Volks teria como fazer uma
faculdade, lá [na terceirizada] teria que trabalhar umas 15 horas por dia, para
ser líder e ganhar mais, mas aí o que faltaria seria o tempo para estudar”, explica.
Na maioria das terceirizadas a jornada é de 44 horas semanais enquanto na Volks
é 40 horas. O jovem foi demitido e ainda não recebeu seu FGTS e o seguro
desemprego, a empresa que ele trabalhava faliu, perdeu o contrato, quando a
outra “gata” assumiu o serviço não recontratou todos, e cerca de metade foi
demitida. Rodrigo conta que chegou na empresa na segunda-feira, após
afastamento médico, sua carteirinha não liberava a catraca. “O guarda consultou
meu nome e disse: você está demitido, a moça do RH vai vir aqui. A moça não
apareceu e eu fui embora, liguei para o sindicato que abriu um processo
coletivo e está aguardando”. Rodrigo disse que quer continuar trabalhando na
indústria e que já entregou currículo em várias terceirizadas.
Divisão da classe favorece a superexploração
Os terceirizados estão enfraquecidos para lutar, pois
estão totalmente divididos. Divididos, primeiramente, dos trabalhadores
diretos, até mesmo a representação sindical é diferente dos trabalhadores
diretos. Não é o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC que representam os
terceiros. São representados por um sindicato quase fantasma. Segundo
informações colhidas pelo Opinião,
não existe nem sequer um diretor deste sindicato que é da região, não se
conhece nenhum representante, não há representação de base. Por isso o
Sindpres, é apelidado de “SindNÃOpresta” .
Os trabalhadores terceirizados também estão divididos
entre si, pois são mais de 400 empresas cadastradas no setor de compras com a
Volks, com algum tipo de contrato. Não se sabe ao certo quantas estão atuando,
pois na “Terra de Ninguém”, tudo muda muito rápido. Estima-se que hoje sejam 100
empresas atuando. Ou seja, em média cada empresa possui 60 funcionários.
Existem três ou quatro grandes, com cerca de mil cada uma, aí terão empresas
com 10 ou 20 funcionários. Muitas vezes são do mesmo dono, que fica passando os
funcionários de uma para a outra para não pagar impostos ou FGTS.
É tanta empresa que entra e sai que para o trabalhador
demitido receber seus direitos, “o lance é não sair de dentro da Volks até
resolver, porque depois que você sai e a carteirinha é bloqueada, não se acha
mais a empresa” nos conta um trabalhador* que já passou por várias “gatas”.
Os trabalhadores das empresas maiores, com muitas
dificuldades se organizam para lutar pela PLR ou ticket compra, mas sem a ajuda
do Sindpres, usando somente a representação e estabilidade da CIPA, que nas
empresas menores nem mesmo se constitui.
As comportas da terceirização foram abertas
Essa “Terra de Ninguém” foi um dos principais impulsos
para o crescimento da Volks no Brasil, que já chegou a ter nessa planta 40 mil
trabalhadores diretos. O boom das terceirizações ocorreu em 2003, com um acordo
feito entre empresa e sindicato, onde se terceirizou toda a Ala 21, setor que
distribuía peças para toda a produção, de lá para cá, o número de trabalhadores
diretos permanece em cerca de 14 mil, enquanto os terceirizados cresceram
muito. O acordo que ampliou as terceirizações da empresa refletiu imediatamente
na produtividade, em 2003 (ano da aprovação do acordo) a produtividade era 19,2
carros por trabalhador. Em 2004, com a ampliação da terceirização, foram 26,5,
seguiu crescendo e em 2010 foram 46 carros por trabalhador*. Se a produtividade
tivesse permanecido a mesma desde 1996, de 18 carros por trabalhador, hoje a
empresa teria mais de 58 mil operários, e não os 25 mil que tem nacionalmente.
Na ocasião do acordo, José Lopes Feijó, diretor do
Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, hoje acessor de Dilma, manobrou a votação, o
que proporcionou a aprovação da terceirização da Ala 21 contra a vontade dos
trabalhadores. Após a traição, Feijó saiu escoltado pelos diretores do sindicato,
os trabalhadores foram até a casa do Lula para pedir que interferisse, mas nada
foi feito. As “comportas” da precarização foram abertas e milhares de “Rodrigos”
e “Marlenes”, que seriam absorvidos como funcionários da montadora, hoje são
usados pelas “gatas” como peças descartáveis. Além disso, esse patamar
baixíssimo de salários e direitos rebaixa o piso de toda a fábrica.
O governo Lula, apesar de suas origens, e Dilma enche a
boca pra falar deste tipo de contratações em seu governo, nada fizeram contra
essa forma cruel de contratação, seguiram incentivando com verbas públicas as montadoras
com essa prática. A CUT e o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, foram parceiros
da Volks neste ataque, apunhalaram juntos os trabalhadores, com manobras e truculência.
Em 2012, outro acordo de investimentos foi feito na Volks. Neste acordo está
prevista a terceirização de toda a logística, cerca de mil funcionários diretos
trabalham nesta área. Novamente os trabalhadores reprovaram a proposta, mas o
Sindicato deu a proposta como aprovada. Mais uma traição. Mais terceirização.
Mais precarização está por vir. Que a jornada de mobilizações de junho e julho possam
influenciar os trabalhadores da Volks para que se unam, resistam aos ataques e
construam uma nova direção para suas lutas.
* Os nomes verdadeiros dos entrevistados foram preservados para evitar retaliações.
Fonte: Opinião Socialista Edição nº 465 - 31 de julho a 13 de agosto de 2013.
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