segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Terceirização: a face oculta da Volkswagen do Brasil

O Opinião foi até a Volkswagen, em São Bernardo do Campo e constatou que milhares de trabalhadores terceirizados não possuem representação sindical, sofrem com atraso de salários e contam com a sorte para receber o FGTS.

 “Terra de Ninguém”
           Quem vê as fotos das novas linhas de produção de veículos da Volkswagen, com seus robôs e painéis de touch, não imagina que por traz deste crescimento e modernização, existe outra Volkswagen, que segundo um trabalhador entrevistado pelo Opinião é “Terra de Ninguém”.
Na Volkswagen (Planta Anchieta) existem 14 mil trabalhadores diretos, registrados pela Volkswagen do Brasil. A “Terra de Ninguém” é um universo de 6000 trabalhadores terceirizados, ou seja, quase a terceira parte do total de funcionários da fábrica é terceirizada, esses são divididos em cerca de 100 empresas. São as chamadas “gatas”.
Esses trabalhadores ocupam papel importantíssimo no processo de fabricação do carro. Além da limpeza, alimentação, manutenção de robôs ou ferramentaria, atividades ha mais tempo terceirizadas, agora a terceirização avança como uma avalanche de precarização e as “gatas” se aproximam cada vez mais da linha de montagem.
Hoje, as terceirizadas são responsáveis pela montagem dos painéis dos veículos, revestimento de portas, tanques de gasolina, tapeçaria, abastecimento das linhas de montagem, o que chamam de sequenciamento de peças. Montam as partes do carro, levam essas partes prontas para a ala em que os carros são montados, além disso, são hoje responsáveis por quase toda a logística, descarregamento das peças que chegam das autopeças e da movimentação de tudo isso até chegar à linha de montagem. 
O avanço das “gatas” é o avanço da precarização. Os trabalhadores não acumulam os direitos conquistados historicamente pela categoria. Se você entra para trabalhar como direto na Volks hoje, vai se deparar com uma realidade difícil, com salários menores, ritmo massacrante e uma sequencia de retirada de direitos. Mas com os terceiros é pior, é como se eles fossem os primeiros trabalhadores da fábrica e tivessem que conquistar tudo novamente, até mesmo leis trabalhistas a eles são negadas.
Falta de perspectivas e salários baixos
A rotatividade é muito grande, Rodrigo* acaba de ser demitido, ficou 1 ano e meio na empresa e afirma que o máximo que viu foi companheiros com 3 anos de empresa e o chefe que tinha 5 anos, completamente diferente dos “diretos” das montadoras onde 60% tem mais de 10 anos de empresa. Isso não permitindo que os trabalhadores tenham qualquer perspectiva. Rodrigo tem 20 anos, teve seu primeiro emprego em uma “gata” na Volks, uma das principais, nos diz que dominava bem o trabalho de sequenciar as peças do tanque de combustível, chegou a fazer 280 em um turno, ele alimenta o sonho de trabalhar diretamente para a montadora, pois gosta de carros, “o serviço deles não é tão diferente do nosso, daria pra pegar rápido”, diz. Provavelmente, se Rodrigo for trabalhar como “direto” na Volks se decepcione como quase todos os jovens que lá entram, mas disse que a situação na “gata” é muito difícil, a única perspectiva é ser operador de empilhadeira, que ganha R$1160, o ajudante ganha R$868 depois que passa da experiência, o convênio médico do Rodrigo só atende em um hospital, a PLR foi 500 reais enquanto na Volks foi 12 mil, o ticket compra é R$100. “Pelo menos se eu estivesse na Volks teria como fazer uma faculdade, lá [na terceirizada] teria que trabalhar umas 15 horas por dia, para ser líder e ganhar mais, mas aí o que faltaria seria o tempo para estudar”, explica. Na maioria das terceirizadas a jornada é de 44 horas semanais enquanto na Volks é 40 horas. O jovem foi demitido e ainda não recebeu seu FGTS e o seguro desemprego, a empresa que ele trabalhava faliu, perdeu o contrato, quando a outra “gata” assumiu o serviço não recontratou todos, e cerca de metade foi demitida. Rodrigo conta que chegou na empresa na segunda-feira, após afastamento médico, sua carteirinha não liberava a catraca. “O guarda consultou meu nome e disse: você está demitido, a moça do RH vai vir aqui. A moça não apareceu e eu fui embora, liguei para o sindicato que abriu um processo coletivo e está aguardando”. Rodrigo disse que quer continuar trabalhando na indústria e que já entregou currículo em várias terceirizadas.
            Como as terceiras pagam pouco, além da rotatividade, outro fenômeno que acontece é a contratação de trabalhadores sem experiência e na busca do primeiro emprego ou em vista de se aposentar, como Marlene*, 48 anos, que tem como profissão auxiliar de enfermagem, mas com muito tempo desempregada está numa “gata” “até que apareça algo na minha área”, diz. Marlene foi contratada disse que muitos colegas eram funcionários de uma empresa que faliu, foram recontratados por essa e ainda não receberam suas multas rescisórias e o FGTS. 
Divisão da classe favorece a superexploração 
Os terceirizados estão enfraquecidos para lutar, pois estão totalmente divididos. Divididos, primeiramente, dos trabalhadores diretos, até mesmo a representação sindical é diferente dos trabalhadores diretos. Não é o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC que representam os terceiros. São representados por um sindicato quase fantasma. Segundo informações colhidas pelo Opinião, não existe nem sequer um diretor deste sindicato que é da região, não se conhece nenhum representante, não há representação de base. Por isso o Sindpres, é apelidado de “SindNÃOpresta” .
            Rodrigo, nos conta que “quando um salário atrasa a gente tem que falar com o próprio chefe, que manda um e-mail para a empresa que sempre fala que até meio-dia vai cair. Um dia um colega meu resolveu usar o convênio dentário, e disseram que a empresa não pagava o convênio ha três meses e não poderia atender. Ele falou com o chefe e espalhou para todo mundo. Dias depois foi demitido.” Um outro trabalhador* mais antigo diz: “quando o negócio é muito grave a gente vai na comissão [Comitê Sindical de Empresa, representação local do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que representa os trabalhadores diretos da Volks], mas eles não nos representam legalmente”.
Os trabalhadores terceirizados também estão divididos entre si, pois são mais de 400 empresas cadastradas no setor de compras com a Volks, com algum tipo de contrato. Não se sabe ao certo quantas estão atuando, pois na “Terra de Ninguém”, tudo muda muito rápido. Estima-se que hoje sejam 100 empresas atuando. Ou seja, em média cada empresa possui 60 funcionários. Existem três ou quatro grandes, com cerca de mil cada uma, aí terão empresas com 10 ou 20 funcionários. Muitas vezes são do mesmo dono, que fica passando os funcionários de uma para a outra para não pagar impostos ou FGTS.
É tanta empresa que entra e sai que para o trabalhador demitido receber seus direitos, “o lance é não sair de dentro da Volks até resolver, porque depois que você sai e a carteirinha é bloqueada, não se acha mais a empresa” nos conta um trabalhador* que já passou por várias “gatas”.
Os trabalhadores das empresas maiores, com muitas dificuldades se organizam para lutar pela PLR ou ticket compra, mas sem a ajuda do Sindpres, usando somente a representação e estabilidade da CIPA, que nas empresas menores nem mesmo se constitui.

As comportas da terceirização foram abertas
Essa “Terra de Ninguém” foi um dos principais impulsos para o crescimento da Volks no Brasil, que já chegou a ter nessa planta 40 mil trabalhadores diretos. O boom das terceirizações ocorreu em 2003, com um acordo feito entre empresa e sindicato, onde se terceirizou toda a Ala 21, setor que distribuía peças para toda a produção, de lá para cá, o número de trabalhadores diretos permanece em cerca de 14 mil, enquanto os terceirizados cresceram muito. O acordo que ampliou as terceirizações da empresa refletiu imediatamente na produtividade, em 2003 (ano da aprovação do acordo) a produtividade era 19,2 carros por trabalhador. Em 2004, com a ampliação da terceirização, foram 26,5, seguiu crescendo e em 2010 foram 46 carros por trabalhador*. Se a produtividade tivesse permanecido a mesma desde 1996, de 18 carros por trabalhador, hoje a empresa teria mais de 58 mil operários, e não os 25 mil que tem nacionalmente.
Na ocasião do acordo, José Lopes Feijó, diretor do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, hoje acessor de Dilma, manobrou a votação, o que proporcionou a aprovação da terceirização da Ala 21 contra a vontade dos trabalhadores. Após a traição, Feijó saiu escoltado pelos diretores do sindicato, os trabalhadores foram até a casa do Lula para pedir que interferisse, mas nada foi feito. As “comportas” da precarização foram abertas e milhares de “Rodrigos” e “Marlenes”, que seriam absorvidos como funcionários da montadora, hoje são usados pelas “gatas” como peças descartáveis. Além disso, esse patamar baixíssimo de salários e direitos rebaixa o piso de toda a fábrica.

O governo Lula, apesar de suas origens, e Dilma enche a boca pra falar deste tipo de contratações em seu governo, nada fizeram contra essa forma cruel de contratação, seguiram incentivando com verbas públicas as montadoras com essa prática. A CUT e o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, foram parceiros da Volks neste ataque, apunhalaram juntos os trabalhadores, com manobras e truculência. Em 2012, outro acordo de investimentos foi feito na Volks. Neste acordo está prevista a terceirização de toda a logística, cerca de mil funcionários diretos trabalham nesta área. Novamente os trabalhadores reprovaram a proposta, mas o Sindicato deu a proposta como aprovada. Mais uma traição. Mais terceirização. Mais precarização está por vir. Que a jornada de mobilizações de junho e julho possam influenciar os trabalhadores da Volks para que se unam, resistam aos ataques e construam uma nova direção para suas lutas. 
* Os nomes verdadeiros dos entrevistados foram preservados para evitar retaliações.
Fonte: Opinião Socialista Edição nº 465 - 31 de julho a 13 de agosto de 2013.

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